Continuação:
Dr. Alberto Cruz |
Em 1915, a "Troupe Dramática" - cuja orquestra era composta por conceituados músicos da Banda e diversos amadores tocadores de rabecas, rabecões e violões, sob a regência do antigo maestro Augusto Pereira Gomes - dava récitas, agora sob a direcção, Dr. Alberto Cruz (acertava, também, os dedos para a pena), um dos novos republicanos, ainda há pouco (1908) saído dos bancos da universidade para a luta da vida.
Encenar peças de teatro num grupo de amadores era sempre uma experiência enriquecedora. A estreia aconteceu no dia 14 de Fevereiro. Do programa constavam três hilariantes comédias: "Um Namoro de 90 Anos", em dois actos; "Enredos de Amor" e "Malditas Letras", num só acto. Ainda um chistoso dueto, "Os Medrosos", pelos apreciados amadores José Rego e Maria Amélia Moura.
A dose iria repetir-se, como habitualmente, no dia 19 de Março, pelas 20,00 hrs, desta feita com as comédias "O Susto de Um Pharmacêutico" (papéis interpretados por Dr. Alberto Cruz, Domingos d'Almeida Caldas, A. Ribeiro, A. Matos, Brasina Pereira Gomes e Arnaldo Cruz) e "As Duas Gatas". Na ficha artística, Brasina Pereira Gomes, Maria Amélia Moura, A. Matos, A. Ribeiro e Joaquim Gomes.
Numa ou noutra ocasião, cançonetas muito apreciadas: "Que Beleza de Hortaliça", "Ricócó", "Toma Lá Cerejas" e "Se Eu Fosse Rapaz". Ainda o Dueto: "Atribulações d'um Galã" e o diálogo: "A Morte de Dido". Em dois intervalos o Dr. José Coimbra, meritíssimo delegado em Lousada, recitou uma chistosa poesia e o professor primário, Alexandre Osório, uma da sua lavra: "A Mulher".
Nas temporadas seguintes - para além das "Reisadas", onde a orquestra da "Troupe", regida por Augusto Pereira Gomes, saía nos dias 5 e 6 de Janeiro a dar as boas festas -, teatro só no dia 19 de Março. Os cofres da Associação de Socorros Mútuos estavam a precisar de "massa" e nada como o auxílio da "Troupe" para fazer face às dificuldades de tesouraria, na fase da denominada "crise das subsistências" que afectou a população do concelho. A fome era uma realidade. Não havia milho, cereal essencial na alimentação do povo, e os assaltos sucediam-se.
O teatro continuava voltado para a criação de comédias de costumes, onde a anedota prevalecia, buscando situações burlescas, sendo representadas, em 1916, as peças, "Pouca Vergonha", "Calisto Júnior" e "Os Dois Tímidos". Para um público mal preparado não podia haver teatro a valer.
Porém, na actividade cultural ganhou grande relevo a inauguração de uma excelente Biblioteca, propriedade da referida Associação. A sala de leitura foi enriquecida com cerca de 2.000 livros, oferta do Padre Francisco Peixoto.
O tempo - ou a incúria? - fez desaparecer grande parte desse espólio.
Já em 1917, ainda sob a direcção artística do Dr. Alberto Cruz, soaram de novo as "pancadinhas de Moliére", podendo o público interessado apreciar a farsa em 1 acto, "A Macaca de Belchior", e as comédias, também em 1 acto, "Um Noivo de Alcanhões" e "Um Hotel Moderno".
![]() |
Moliére |
Depreende-se que tanto as obras como os papéis em cena fossem quase sempre bastante pequenos.
Depois surgiram as causas da Grande Guerra Mundial (1914-1918), enlutando a Europa e ocasionando novos problemas.
![]() |
(C.E.P.) - Corpo Expedicionário Português |
A diminuição da população com o surto migratório e o flagelo motivado pela pneumónica, ou epidemia de gripe espanhola, agudizaram o ambiente.
![]() |
Fase da "gripe espanhola" |
Em 1917, várias situações provocaram a intervenção portuguesa no conflito. Organizou-se um Corpo Expedicionário Português (C.E.P.), vindo a partir para a Flandres francesa, em Fevereiro, os primeiros contingentes.
Entre os mobilizados do concelho, na qualidade de capitão médico miliciano, encontrava-se o habitual ensaiador, Dr. Alberto Cruz, sendo suspensos os trabalhos da "Troupe" até 1920, cremos, pois não descortinamos em lado algum quaisquer tipo de registos da actividade do Grupo.
Abrira-se em Portugal uma profunda crise, desconheciam-se os imponderáveis do futuro, nomeadamente a evolução política-social, mal a que se juntou o da inflação causada pela guerra, mas em Freamunde a devoção pelo teatro, pela cultura, não esmorecera, mesmo sendo a actividade teatral nessa altura, no nosso país, bastante desencorajadora e não se vislumbrasse esperança de mudança.
Eis então que se apresenta, em meados de 1922, Leopoldo Pontes Saraiva, aqui radicado há alguns anos por casamento com Lucinda Oliveira, a quem se reconhecia indiscutível competência como actor, encenador e director artístico, pronto a fazer ressurgir o Grupo, agora denominado "Nova Troupe d'Amadores Dramáticos de Freamunde", já a renovada Tuna Freamundense se mostrava após estreia em Dezembro de 1920.
Antes, porém, no 19 de Março desse mesmo ano de 1922, dia comemorativo da fundação da ASMF, à falta de "melhor", Arnaldo Cruz, num arrojo de coragem, e para que o teatro se mantivesse vivo, pelo menos lembrado, apresentou em palco um singelo quadro, da autoria de Leopoldo Saraiva, "O Auto das Flores".
A chama do amor ao teatro voltava a incendiar a juventude que rodeava o Grupo. Leopoldo Saraiva, consciente das dificuldades a enfrentar para poder cumprir, com um mínimo de dignidade, os objectivos propostos, apresentou - como se pode ler em edição do "Progresso de Paços de Ferreira" - espectáculos que rapidamente atingiram notável popularidade, obtendo, como ensaiador, nas peças de estreia, uma imediata consagração.
O espectáculo - no dizer do cronista - «possuía uma grande unidade textual não obstante a aparente diversidade das 5 peças escolhidas e representadas no dia 23 de Abril de 1922: "Um Pic-Nic nas Laranjeiras", "Os Fantasmas", "As Novas Ricas", "Os Espectros" e "Taborda no Pombal"»
O Grupo atingia maturidade artística.
Continua: