sexta-feira, 25 de outubro de 2024

"TEATRO" EM FREAMUNDE - MAIS DE 100 ANOS DE HISTÓRIAS (1)



...por Joaquim Pinto















                   NOTA DE ABERTURA

    Quando me perguntarem  o que fiz pela minha Terra, pela sua cultura, onde o teatro cabe, poderei dizer: guardei documentos que considero importantes, aparentemente irrelevantes para muita gente, mas que se tornaram preciosos, autênticos tesouros, para os fins em causa.

Fui afortunado nas pesquisas efectuadas nos velhos jornais concelhios, no "abandonado" escritório  do saudoso Fernando Santos, e nas memórias frescas de vários freamundenses já decanos.

Dediquei-me com paixão ao labor de inventariar, estudar, ler os livros encontrados nas bibliotecas, que estavam à mão de semear e foram uma tentação à qual não consegui resistir. Enfim, "coisas minhas".

Não, não sou verdadeiramente um historiador mas um modesto contador de factos, de histórias. Historiador não me importava de ser.

Tentei, contrariando a costumada desatenção pelo nosso património cultural, sua frouxa defesa e quase nula propaganda, uma pequena amostragem do passado que, espera-se, leve o público presente a valorizar e a aplaudir todos os criadores, antigos e presentes, de "teatro", e a encaminhar e motivar a nossa juventude para a divulgação e participação activa na mais sublime das artes.

É necessário que a "história" não se esgote, continue. Sempre.

Aqui estão, pois, os frutos do meu trabalho.


 


                           INICIAÇÃO E CAMINHADA

    Como referiu Ivo da Cruz, professor de história do teatro, «certa tendência, escolarmente simplista, encara o teatro português como mera sucessão de valores isolados, à média tranquila de um por século: Gil Vicente no século XVI ( As suas peças ainda hoje podem ser representadas sem a mínima alteração do texto ou das rubricas. Gil Vicente é, portanto, sem favor, um dos maiores génios de que pode orgulhar-se a cultura europeia); D. Francisco de Melo no século XVII; António José da Silva (Nasceu no Rio de Janeiro. Conhecido pela designação popular de "O Judeu", por ser descendente de uma família de cristão novos, foi degolado e depois queimado pela Inquisição) no século XVIII e Almeida Garrett no século XIX.


Gil Vicente



D. Francisco de Melo


António José da Silva "O Judeu"


Almeida Garrett


    A representação teatral nesta terra, já nem sempre associada à religião ou a fases da actividade social e política não estabilizadas, "modernizadas", portanto, a denominada arte de TALMA (François Joseph - Paris-1763/1826), pois este actor trágico francês, preferido de Napoleão I, preocupou-se com a verdade histórica no traje e nos cenários, tornando também a dicção mais natural, começou, porventura, no último quartel do século XIX, não se sabendo ao certo em que data, num período em que os grupos cénicos iam surgindo em vários pontos do país.


TALMA


    Há indícios seguros que por volta de 1894, 1895 uma Companhia de Freamunde deu, com êxito, alguns espectáculosUma lufada de ar fresco, numa vida social marcada, sobretudo, pelas reuniões dançantes (soirées), promovidas pelas famílias da primeira elite, que se distinguiam pelo brilho feminino e pela presença de distintos fidalgos.

    O próprio "Jornal de Paços de Ferreira", fundado em finais de 1894, passou a dispor de uma secção regular de crónica teatral, como reflexo da constante actividade realizada por diferentes colectividades.

   Pesquisando a cultura da arte de representar (De onde vem o interesse dos freamundenses por este tipo de manifestações, o seu gosto pela cultura e o seu sentido de organização e associativismo não é fácil descobrir), pouco a pouco fomos definindo as linhas do trabalho iniciado pelo tabelião Alexandrino Chaves Velho. 
Foi louvável o seu esforço no sentido de fazer na nossa comunidade qualquer coisa que se aproximasse de "teatro" - comédias "afrancesadas" de "amadas e aventuras", quase sempre sem nenhum intuito que não fosse divertir o público, perante "distintas" plateias sempre propensas a rir. Para trás tinham ficado os Autos, velhos textos de autores anónimos, de sabor retintamente popular, influências das antigas práticas dramatúrgicas, ao tempo de Gil Vicente, de tão gratas tradições religiosas mais ligadas aos costumes da nossa gente. 




 



 




    O palco seria, certamente, um terreno da aldeia ou os adros das igrejas; os actores, a gente humilde, pacata e trabalhadora que, deste modo, se cultivava, esquecendo, por momentos, a faina campesina.
Uma das últimas representações de um Auto, "Dança dos Pedreiros", muito ao gosto medieval, com a desventura do rapaz dos picos - conforme nos dá conta o JPF na sua edição de 9 de Fevereiro de 1895 -, aconteceu na Festa da Srª da Purificação e do Milagroso S. Brás, em Frazão, «...onde os pobres representantes de uma companhia de Freamunde, que nesta festa apareceram, tiveram de retirar-se apressadamente, coitados, em camisas de meia, mascarados e de calça branca. Assim mesmo de corpo bem feito, apanharam uma molha, fruto d'uma formidável carga d'água como neve, que pôs tudo à debandada. Valeu-lhes a carreira que havia da romaria para Freamunde».

    A Companhia "mostrava-se", desta vez em Sobrão, no dia 26 de Fevereiro, pelo Entrudo, para representações dos Autos "Adão e Eva", "Dança dos Pedreiros" e "Dança dos Alfaiates".

    No lugar de S. Miguel, da vizinha freguesia de Ferreira - anos 50, 60, 70... do século passado -, estas composições teatrais ainda eram bastante frequentes, muito pela dinâmica acção de Manuel Simões e António Emílio de Carvalho, entusiastas a quem ainda não foi atribuído  o merecido reconhecimento.

Continua:



quarta-feira, 16 de outubro de 2024

"TEATRO" EM FREAMUNDE - MAIS DE 100 ANOS DE HISTÓRIAS (5)

 Continuação:




Delfina Gomes











    O êxito dos espectáculos anteriores levou a algumas alterações arrojadas, como, por exemplo, a junção de jovens do sexo feminino ao grupo, como se pode verificar na composição do elenco. Surpresas agradibilíssimas, as actrizes Brasina Pereira Gomes e Delfina Gomes, que, segundo o noticiado, «...impressionaram não só pela correcção da dicção como pelo tratamento, pela confiança e desenvoltura em palco».

    Surpresas porque a maioria das mulheres, na altura, eram inibidas por pesadas convicções. Não tinham, por exemplo, sequer direito a voto. As que liam, que tentavam instruir-se, eram consideradas perigosas. Estavam apenas confinadas ao espaço doméstico e à obediência ao marido, a prestarem-se somente a ser esposas e mães. As mulheres quase não participavam na vida social, religiosa e política do País. Porém, estas jovens e "corajosas" senhoras cedo despertaram para o sentido cívico que só muito mais tarde se tornou uma realidade incontestável nos direitos femininos em Portugal, rompendo com as convenções e projectando o futuro, movimentando-se, pois, facilmente no ambiente, num universo exclusivamente masculino, época de machismo bota de elástico.

    Uma autêntica pedrada no "charco" da hipócrita moral burguesa.

    Mas... porquê estas e não outras mulheres?! Uma questão de hereditariedade cultural, talvez! Brasina Gomes era, simplesmente, filha do maestro Augusto Pereira Gomes, e Delfina Gomes, filha do também regente Francisco Gomes "d'Aveleda", mais tarde casada com o sub/regente José Nogueira Nunes. Mãe, portanto, de Antonino Nogueira Nunes "Toninho Nogueira", saudoso regente da Banda de Freamunde na década de sessenta, principalmente.

    No dia de Natal (25-12-1903), conforme reza o JPF, «...programa atraente, variado e brilhantíssimo, na estreia em 1 acto, das comédias, "O Médico Mania", "Os Estroinas", "A Hospedeira do Tio Anastácio", "Um Julgamento no Samouco" e "Os Dous Surdos"; Ainda um dueto hilariante, "Sacrista e Migalha" e uma cena cómica, "O Limpa Chaminés".

Pelo meio, récitas abrilhantadas pela Tuna Freamundense».





 

    Em 1904, Alexandrino Maria Chaves Ferreira Velho, acabado de casar, em segundas núpcias, com Ernestina Rego, passou a "pasta" de ensaiador a Henrique António Pinto de Vasconcelos, com alguma propensão e jeito para o cargo, num período em que se vivia um movimento cultural agitado pelas realidades políticas e sociais.

    Serviram-se mais comédias: "Malditas Letras", "Deuses Teimosos", "Pst...Pst...", "Amores de Leoa", "Gostos e Manias" e "Aninhas e Zé da Horta".




 



    A "política" mandava e o teatro cá pelos burgos estagnou durante uns tempos. O País agonizava à beira da bancarrota e com a pobreza existente era difícil ao povo compreender o... teatro.

    Em 1907, no período do hiato cénico, agravado, em 13-07, com a morte do pai do líder do grupo, o "Morgado da Feira", Henrique Pinto de Vasconcelos Abreu e Lima, foi convidada uma companhia de teatro lisboeta para representações na ASMF.

    O jornal "Progresso de Paços de Ferreira" (de tendência progressista/monárquica, nas bancas para "combater" o rival "Jornal de Paços de Ferreira, todo de cariz republicano) apressou-se a narrar o acontecimento: «No dia 2 de Julho de 1907, na ASMF, espectáculo dado pelos conhecidos artistas dos theatros de Lisboa, Alfredo Campos e Maria Pinto.

    Vão à cena as comédias em 1 acto, "Amor por annexms", "Cada Doido!!!" e "Ditoso Fado".

    Também as cançonetas, "Caluda José" e "Flores de Maio".

    Novas representações no dia 7 do mesmo mês com as comédias, "Pragas de Um Capitão", "Cada Doido!...", "Portugal e Hespanha", e as mimosas cançonetas, "A Alfacinha" e "Serenata de Amor".

    Abrilhanta o espectáculo a orquestra do senhor Nunes».

    O teatro, como se depreende, continuava a ser "servido" à luz do dia ou da candeia.

    No entanto, as ruas mais centrais de Freamunde passaram a ser iluminadas por 24 candeeiros a gás de "acetylene". A inauguração aconteceu no dia das festividades em honra do Mártir S. Sebastião (13-07). O melhoramento, importante numa fase difícil do País, deu que falar...

    Sem subsídios da autarquia, completamente descapitalizada e hostil aos legítimos interesses dos habitantes desta terra (nem os constantes "murros" na mesa de António José de Brito convenceram os colegas edis), foi nomeada, em Freamunde, uma Comissão de gente bairrista, por um espaço de três anos, que através de donativos oferecidos à Junta proporcionou a colocação e sustentação dos referidos lampiões.

Continua: