domingo, 22 de setembro de 2024

"VIAGEM PELO TEMPO", por Joaquim Pinto (7)


FREAMUNDE/PAÇOS - "DERBYS" ETERNOS (3)

ÉPOCA 57/58


Com o início de campanha à vista, na sede da Associação de Futebol do Porto realizava-se o sorteio dos jogos para o campeonato regional da II divisão, 1ª fase.
Para a segunda jornada da série "B" a roleta da sorte tinha ditado um escaldante, previa-se, Freamunde/Vasco da Gama, de Paços de Ferreira, primeiro jogo oficial entre estas duas equipas.
O encontro teve lugar no campo do Penafiel, pois o "Carvalhal" encontrava-se interdito.

Armando Andrade
Armando Andrade, treinador do Freamunde, escolheu para este "derby" o seguinte "onze":
Quintela, Alberto "Mirra", Zeca "Mirra" e Zulmiro; António Rego e Barbosa; Luís "Mirra", Ivo, João Taipa, Humberto e José Maria "do Talho".


Por sua vez, o Vasco da Gama, sob orientação de Nano, apresentou-se desta forma:
Leites, Abílio, Castro e Costa; Dinis e Rola; Mota, Madureira, Baptista, Carvalho e Júlio.
Árbitro: Ramos Dias (Porto)

A expectativa era grande, dentro e fora do campo. Uma multidão acorreu ao prélio, sedenta de um jogo pleno de genica e emoção.
Valendo-se do estatuto de favorito, o Freamunde, mesmo actuando abaixo das suas possibilidades, goleou por 5-1 o seu rival e amigo.




Segundo rezaram as crónicas, os jogadores foram correctos e generosos na luta sem tréguas que entre si travaram. É curioso que o referenciado avançado/centro dos pacenses, Baptista, era nem mais nem menos que o freamundense João "Cherina", vá lá saber-se porquê nesta época a representar o rival e vizinho Vasco da Gama.
João Taipa com três golos, Humberto e José Maria "do Talho" com um cada, foram os carrascos do vizinho. Rola foi o autor do solitário tento dos pacenses. O Vasco, qual "ladrão", bem espreitou a vinha, mas só conseguiu roubar um bago.
«Verdade, verdadinha - contou-me, certo dia na tertúlia do Café Popular, Alberto "Mirra" com a sua habitual ironia - o Vasquinho tornou-se um autêntico tigre de papel. O jogo foi sempre de vencedor anunciado. Veja lá: a defesa "deles" mais parecia um queijo suíço, de tão esburacada.
Ganhamos por margem confortável mas se "elas" pegam, era uma cabazada ainda maior. Sem ofensa».
Quintela
Para além do jogo em si, o desafio foi marcado pela revelação de um guarda redes digno da herança de Hercílio e Peixoto. Quintela, era o seu nome. Jovem proveniente dos Juniores, robusto, elegante, de compleição física apreciável, tornou-se rapidamente num futebolista completo na difícil missão de defender as redes. Talhado para o posto, ainda hoje é lembrado como uma referência quando se fala em bons guardiões.

XXX

No segundo jogo da volta derradeira o Freamunde, na condição de líder da prova,  retribuía a visita.
O campo da "Cavada" tinha a emoldurá-lo cerca de 6.000 pessoas, apinhadas em amontoados.
Não cabia nem mais uma agulha.
O futebol era assim: um jogo extraordinário, capaz de empolgar multidões, de encher recintos, de extravasar o interesse durante os dias da semana. Futebol era ansiedade, emoção e movimento, sustentado pelo povo.

Entravam as equipas assim formadas:

Vasco da Gama: Ramos, Rola, Castro e Costa; Abílio e Dinis; Luís, Carvalho, Mota, Álvaro e Sena.




Freamunde: Quintela, Alberto "Mirra", Zeca "Mirra" e Zulmiro; António Rego e Barbosa; Luís "Mirra", Ivo, João Taipa, Humberto e Arnaldo.


Fase do jogo Vasco da Gama/Freamunde

Lá dentro, entre os jogadores - o futebol ainda possuía, por vezes, esta vertente: ser uma escola de virtudes -, estabeleciam-se relações magníficas de amizade e companheirismo que ainda hoje, em alguns casos, perduram.
«Quando Domingos Mota, o árbitro (media quase dois metros e pesava aproximadamente cem quilos), soprou o apito para o começo da partida ( o Freamunde venceu-a por 3-0), percebemos que os "gajos" queriam a desforra. Entraram com tal "gana" que tivemos de nos acautelar» - contou-me com alguma emoção, Humberto.




Mas, mesmo sem fazerem um jogo de arregalar o olho, os freamundenses valeram-se da classe pura de João Taipa, autor de dois golos, do virtuosismo de Humberto (também "molhou a sopa") e, sobretudo, da tarde inspirada de Ivo.
«Era um jogador de aspecto atarracado, perna arcada - descreveu-me João Taipa em conversa informal no "seu" Café Teles.
Tinha no entanto o "dom" de guardar a bola como ninguém. Por vezes até enervava, pois, momentâneamente, esquecia-se que o futebol era, e é, um jogo de equipa. Queria a bola só para ele. Queria levá-la p'ra casa, pronto.
Noutras, porém - e foram muitas -, resolvia o jogo rubricando lances individuais que encantavam, só dignos de um iluminado.
Ivo era um criativo, um predestinado pr'á bola, um geniozinho que se soltava quando já todos desesperavam».
Enfim, com "beiça" ficaram outra vez os "Vasquinhos". 





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