quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

"TEATRO" EM FREAMUNDE - MAIS DE 100 ANOS DE HISTÓRIAS (11)

 Continuação:


Associação Socorros Mútuos Freamundense












    Na ASMF, as comemorações do 19 de Março eram sempre vividas de forma efusiva. Dia solene para os freamundenses «sempre ciosos em conservarem os pregões que fortalecem a sua enraizada cor bairrista», assim sublinhou Gil Aires, numa das suas habituais prelecções.

    Sem o Grupo Dramático Freamundense (aproveitaram os empresários do cinema para a passagem de variadíssimas fitas, através do aluguer do salão da Associação), intercalados com os distintíssimos oradores convidados para a sessão solene, faziam-se ouvir em récitas muitas crianças do ensino primário habilmente ensaiadas pelo professorado local, para encanto dos assistentes, hábitos que provinham desde o longínquo ano de 1908, fruto do contributo dos educadores oficiais, D. Mercedes Barros e Alexandre Osório. E assim continuou durante umas décadas.

    Sentia-se, no entanto, um certo vazio. Faltava a "Arte de Talma". Durante uns meses, aí por volta de 1948, ainda se viu qualquer coisa, por iniciativa de Alberto Oliveira, artista de teatro, aqui esporadicamente radicado, que, como referiu posteriormente Fernando Santos, pertencia a uma família de actores itinerantes de que, nos anos 20 e 30, uma ou outra havia em Portugal, como os Rentini. Também os Venâncios, os Oliveiras... (das quais Camilo de Oliveira - Camilo Venâncio de Oliveira, de nome completo - era descendente), e de onde, por vezes saíam nomes que, mais tarde seriam grandes e respeitados no cinema e teatro português, como, Henriqueta Maia, Palmira Bastos, Eunice Munhoz, Leónia Mendes, o próprio Camilo de Oliveira...



Alberto Oliveira


    Alberto Oliveira já era a segunda vez que se fixara em Freamunde,  onde até lhe tinha nascido uma filha que, como os pais, também ao teatro se dedicara. Bom homem, simpático, respeitador...

    Alberto Oliveira tinha ficado em Freamunde, por afastamento voluntário da companhia dos Venâncios, em que se integrava com a mulher e a filha, quando esse grupo por cá tinha passado e feito algumas representações. Instalou-se numa casa que estava devoluta, onde chegou a morar o saudoso Júlio Graça, hoje residência dos herdeiros de "Nequinha" Oliveira.

    Precisando de viver, alugou a "velha" Associação e decidiu representar, entre outras peças, o "Amor de Perdição". Porque o elenco era numeroso, serviu-se de alguns freamundenses em que fervilhava o viciozinho do palco, que, felizmente, por cá sempre houve - Alberto Graça, que defendeu o papel de "Primo Baltazar", Ernesto Leal, "O Meirinho"...

    O industrial António Pereira da Costa, figura preeminente, de forte carácter e decisão, insistia que o teatro continuava a ter muito para dar aos seus conterrâneos, para lhes enriquecer a vida.

    A cultura sempre é a alma de um povo. E o teatro é uma das manifestações mais puras da arte e da expressão humana. As próprias representações originavam receitas que muito jeito faziam aos cofres da benemérita Associação. Juntava-se assim o útil ao agradável.


António Pereira da Costa

    Vai daí - conforme descreveu, a certa altura, Fernando Santos -, «...certo dia (em princípios de 1949), um senhor de fartos bigodes apareceu no Porto a contratar um grupo de amadores que eu dirigia para um espectáculo em Freamunde, a favor da ASMF. Representámos a peça "Duas Causas", de Mário Duarte... A récita agradou e novo contrato surgiu. E outro... E outros...

    O certo é que cá fiquei (conheci uma jovem chamada Brazinda e três meses mais tarde - 12 de Junho de 1949 - António Pereira da Costa era meu sogro) e, comigo, o viciozinho pelas tábuas do palco, semente teimosa e atrevida que, afinal, vinha encontrar fértil terreno para a sua reprodução, bem lavrado e adubado por esse inesquecível cultivador da cena freamundense que se chamou Leopoldo Pontes Saraiva. E foi logo uma incansável e alegre batuta na produção de espectáculos de beneficência: "Tem Calma Pacheco", comédia da minha autoria (Durante muito tempo houve quem continuasse a chamar-me senhor Pacheco): "O Crime de Uma Mulher Honesta" (autor italiano), "Bocácio na Rua", "Irene", "A Raínha Cláudia", "A Flor da Aldeia", "Traviata", "Intrigas no Bairro", "Cama, Mesa e Roupa Lavada" (Coroa de glória do grande actor Chaby Pinheiro, no impagável "papel" de "AArão Saavedra"), numa récita de homenagem ao falecido dr. Alberto Cruz, sob a batuta de Fernando Santos e com a interpretação de entre outros, Fernando Santos, Joselino Pereira, José Maria Moura, Carlos Correia da Fonseca "Moca", Maria Amélia Pereira, Maria José "Cravadeira"...).





"BOCÁCIO NA RUA"
Alberto Graça, Fernando Santos e Alberto Matos
"Sem tardar/Firu-Li-Ru-Li/Firu-Li-Lu-Lero"




"RAÍNHA CLÁUDIA"
Joaquina Afonso e Fernando Santos




"RAÍNHA CLÁUDIA"
Fernando Santos e Alberto Matos





"BOCÁCIO NA RUA"
Fernanda Felgueiras e José Maria Moura

 



" A FLOR DA ALDEIA"
Esmeraldina Rego, Albertina Antunes,
Fernanda Felgueiras e Joaquina Afonso





"RAÍNHA CLÁUDIA"
Alberto Graça e Fernanda Felgueiras







"RAÍNHA CLÁUDIA"
Américo Santos, Nelson Lopes, Carlos Felgueiras,
 Fernando Santos, Alberto Graça, Armando Nunes "Alhinho"
 e António Castro Nogueira



    Até  uma revista,  por mim propositadamente escrita: "Freamunde é Coisa Boa"»

    Revista, apresentada no dia de Natal de 1951, que se destacou tal a popularidade que abrangeu. Era bonita, estouvada, alegre.

    A Revista era ainda um meio de sacudir os espíritos calados e iluminá-los de riso.








    Todas estas peças, atrás referidas, acabaram por transformar gente anónima em primeiras figuras. "Artistas" do agora denominado "Grupo Cénico da Associação de Socorros Mútuos Freamundense".

    O êxito, mais que a capacidade criativa do autor, ficou a dever-se à fantasia dos actores.

    Fernando Santos, José Gomes Rego, Alberto Matos, José Maria Moura, Alberto Graça, Fernanda Felgueiras, Nelson Lopes..., já eram possuidores, mesmo sem grande experiência e técnica indispensável, da capacidade de exteriorização a que vulgarmente se chama talento.

    Actores, como outros tantos, que se revelaram indispensáveis e tiveram a hipótese de trabalhar papéis variados e subtis.

    Depois, havia também Adriano Guimarães, antigo e considerado actor, natural da cidade do Porto, onde nasceu na Rua Alexandre Braga, filho de Domingos da Silva e Ana Rita de Sousa. O teatro o trouxe com Fernando Santos para Freamunde, «acompanhado, como sempre, da sua velha "caixa de caracterização - constante objecto dos seus cuidados -, escrínio de antigos, ensebados e utilizados "postiços"».

     Freamunde, que passou a considerar como sua Terra e onde viria, em 19 de Fevereiro de 1971, com 82 anos, a ser sepultado.


Adriano Guimarães




    Porém, Fernando Santos cansou! Ele próprio não soube bem porquê mas cansou (seria bem assim?!)... e o teatro parou por 10 anos!... de 1954 a 1963.

    Em 1961 ainda vingou o teatro infantil, dirigido pelas professoras Cremilde Queirós Monteiro e Maria José Machado Pereira - sem esquecermos, noutras fases, Ludgera Oliveira, Rita Barros da Silva, Cesaltina Gonçalves, Alda Nunes..., com o apoio de Fernando Santos.

    Teatro para crianças - a quem os próprios adultos dispensaram especial atenção e entusiasmo -, feito por crianças, com miúdos das escolas de Freamunde.

    Como dizia Fernando Santos, «...estas peças fantasiadas - "Maria Migalha", por exemplo -, por vezes ingénuas e incipientes, são um importante meio educacional e uma boa oportunidade para descobrir futuros valores».




 




"MARIA MIGALHA"

 

"MARIA MIGALHA"


"MARIA MIGALHA"


"MARIA MIGALHA"


    Contudo, algo mais que estes preparativos agitava o agregado populacional. Algo mais estava para suceder.

    O nosso povo, que tinha mais letras do que se julgava, lembrava-se das Revistas e sentia saudades delas.

    Os constantes apelos do enorme bairrista, Maximino Ferreira Rego, acicatado por Nelson Lopes, junto de Fernando Santos, nas noites do "Recreativo", porque não percebia o que o tinha levado a interromper as actividades teatrais, foram tão convincentes que conseguiram despertar o seu orgulho, "nascendo" a opereta "Gandarela", baseada em acontecimentos históricos e reais, aos quais o encenador entendeu dar um cunho pessoal e "criativo", de factos ou situações da actualidade com comentários cáusticos e picantes à base de trocadilhos de palavras com sentido duplo.

    Em 22 de Dezembro de 1963, o "Grupo Teatral Freamundense" dava a sua primeira representação.








 

    Assim recriou-se uma actividade de envolvimento e movimentação de "massas", de uma colectividade, de um movimento cultural que tem dignificado o teatro amador e contribuído, de uma forma inestimável, para o prestígio da nossa Terra.

    Houve colaboração e dedicação de dezenas de pessoas afastadas do meio artístico. De forma apaixonada, porque o teatro não era modo de vida.

    Recomeçou uma actividade teatral que se iria tornar verdadeiramente gloriosa, pontuada por inúmeros prémios e galardões e que projectaria o nome de Freamunde por todo o país e além fronteiras.

Continua:  

 


 


 


 


 


 

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

"TEATRO" EM FREAMUNDE - MAIS DE 100 ANOS DE HISTÓRIAS (10)

 Continuação:















    O futuro da arte não estava, seguramente, naquele género - não passava de brincadeiras que muitos escreviam e assistiam de enfado. Só que, por esses tempos fora, entrou em vigor a odiosa «Lei das rolhas» que não era de molde a favorecer a livre escolha de obras de conceituados dramaturgos, a livre crítica das instituições, e que punha muitas vezes o lápis azul da censura. Aliás, a censura foi sempre boa aliada do teatro ligeiro; quanto mais ligeiro melhor, porque não estimulava de modo nenhum o pensamento.

    Como dizia Joaquim Benite, «...durante anos os nossos teatros respiraram tranquilamente a rotina dos aplausos no final dos espectáculos, a rotina da falta de ideias...As peças eram o que eram , mas o público aplaudia e ninguém protestava. Todos, pelo contrário, se sentiam muito satisfeitos».

    O teatro era, e é, uma escola de lágrimas e risos. Na falta de lágrimas, continuassem os risos. As comédias. Importante era que o teatro, com comédias ou sem comédias, não parasse, pelo contrário, sofresse novos impulsos.





    A gente desta terra continuava dinâmica, atenta, apaixonada e solidária.

    Parafraseando Federico Garcia Lorca (poeta e dramaturgo espanhol, e uma das primeiras vítimas da Guerra Civil Espanhola), numa crónica sobre a arte de representar (1935), «um povo que não ajuda e fomenta o seu teatro, senão está morto, está moribundo»

    Nem mortos nem moribundos. Sem Leopoldo Pontes Saraiva, ausente temporariamente, "deitou a mão", como ensaiador, o já apreciado amador Salvador "Santa Marta".

    Em 1936, foram várias as representações da "Troupe". Na primeira, que agradou muito - assim citou o correspondente do jornal "O Heraldo" -, foram levadas à cena as peças: Drama marítimo em 3 actos intitulado "Nossa Senhora da Bonança" e a comédia em 1 acto, "O Amor Constipado".

    Em pleno 1937, dias 4 e 5 de Maio, apresentou-se no salão da A.S.M.F. uma Companhia de farsa, revista, variedades e music-hall, com exibições pontuais no Teatro Odeon, no Porto, da qual faziam parte os distintos artistas Dinah Stichini, Mário Santos, Judith Dorizini, Fernando Isidro, Gina Perez e Manuel Ginamax.

    Também, em Outubro, o "vizinho" Grupo Dramático da freguesia de Carvalhosa" levou à cena o drama "Vida de Santa Maria", sob direcção artística de Alberto Martins Carneiro "Albertinho Carreiras". O espectáculo repetiu-se dias depois com a receita a reverter para os Bombeiros Voluntários de Freamunde.

    Já nos dias 6 e 7 de Novembro, grande expectativa se gerou. O caso não era para menos. Um grupo constituído por distintos artistas do Porto e de Lisboa, onde se incluíam as "vedetas" Maria Olguim, Ema Orlandino, Maria Lobato e Arlindo Pontes, trouxe à ASMF, para delícia da repleta plateia, onde havia - no dizer do escrevinhador - um cunho de requintada elegância e chiqueza, as Revistas, "Uma Tarde na Romaria" e "Tempos Modernos", bem como a comédia, "A Carta da Felicidade".


Maria Olguim

    O ano de 1938 foi recheado de acontecimentos, em Freamunde. O refulgente Freamunde Sport Clube, carente de dinheiro (Quem não estava?!), pediu ajuda à "Troupe" e esta, como sempre, colaborou, revertendo a receita em favor dos depauperados cofres dos "azuis e brancos" do "Carvalhal". Salvador "Santa Marta" ensaiou as comédias: "Páscoa Florida", "Castanha e Companhia"; "Os Dois Pretos" e ainda um número musicado, "Rosas de Portugal", representadas no mês de Abril.

    No dia 2 de Outubro, o povo, em massa, saiu à rua para uma festa de arromba. Agendada estava a inauguração de três importantes melhoramentos: Um Templo (Capela de Santo António, mudada que foi de sítio); uma escola masculina (As "Amarelas", da Rua do Comércio) e a instalação da Cabina Telefónica.

    O rebentar da 2ª Grande Guerra Mundial, criou situações de alguma perturbação no país - Portugal manifestou a intenção de manter a sua neutralidade no conflito -, sobretudo de ordem económica (a falta de alimentos levou ao seu racionamento) e a política, com as greves que se geraram.


2ª G.G. (Foto icónica após capitulação das tropas nazis)



    O impacto da Guerra tinha aparentemente colocado limites a várias formas de desenvolvimento. Só no dia de aniversário da ASMF (19-3-1939), um Grupo de Amadores da Vila de Santo Tirso apresentou as peças, "Dois Aldrabões", "O Exame do meu Menino", "Recreativos monólogos e cenas cómicas".

    Por cá, a actividade teatral sofreu mais um hiato, ressurgindo em 1941, com Leopoldo Saraiva, de novo, a liderar a "Troupe". O citado encenador, ciente da situação, procurava através de textos populares, realizar um teatro, mesmo não sendo verdadeiramente livre, actuante, interveniente.

    O Secretário de Propaganda Nacional do "Estado Novo" tinha criado, com as intenções que se conhecem, um Grupo Cénico de Teatro do Povo, para representações em vários cantos do País. Freamunde foi uma das localidades visitadas (16 e 17 de Setembro de 1941). A Companhia, da qual faziam parte os artistas Alfredo Ruas, Fernando Sousa, Álvaro Almeida, Carlos Baptista, José Gamboa, Amélia Pereira e Margarida Almeida, representou no salão da ASMF, perante "distinta" plateia, as peças: "Auto da Tentação", "Herança do Evaristo" (farsa), "Ambição", "O Urso" e "História de uma viúva inconsolável".

    Dificuldades de vária ordem, nomeadamente os reflexos da Grande Guerra, a origem ditatorial que continuava a impor a censura prévia aos espectáculos a pretexto de defender a opinião pública contra os factores que a desorientassem contra a verdade, a justiça, o bem comum e os princípios fundamentais da organização da sociedade, a crescente concorrência do cinema, da rádio (mais tarde seria a televisão) e das competições desportivas muitas vezes alienantes, a falta de uma estrutura teatral sólida, fizeram com que o Grupo tivesse actuações intermitentes - ainda há membros dessas gerações, e descendentes das mesmas, de memórias longas, recordações nostálgicas e emotivas, que sabem de cor o "João Corta-Mar", a "Henriqueta", As "Intrigas no Bairro" (de Luís Araújo, para quem, segundo as suas próprias palavras, «...pelo teatro se pode dar ao povo, em beleza, o que muitas vezes se lhe nega em justiça»), a revista de sabor estritamente local, "Verdades", êxito assinalável repetido por doze ocasiões, que reuniu verdadeiros "artistas" amadores (José Rego, Alberto Matos, Gil Aires, José Maria Moura, Maria José "Cravadeira", Maria Teles, Maria Ângela Santos, Maria Augusta Ribeiro, Laura "Bisca"..., entre outros - e parasse, mesmo, durante uns tempos.








 

    Revistas (sugestivos títulos) estreadas em períodos críticos, repletas de piadas aos "apertos" então vividos. Que falta nos faz estas revistas "maliciosas", questionando as "políticas" e acicatando os autarcas! A importância da revista de opereta era a possibilidade "democrática" de sátira a todo o tipo de ideia. Ninguém estava a salvo. Com as devidas... "cautelas".

    Curiosamente, a história está sempre a repetir-se e, como tal, os textos das peças, hoje, estariam actualíssimos. 

Continua:

"TEATRO" EM FREAMUNDE - MAIS DE 100 ANOS DE HISTÓRIAS (9)

 Continuação: 















    O teatro continuava a ser acontecimento de algum relevo, visitando-nos, assiduamente, Grupos de reconhecido mérito. Por exemplo, no dia 9 de Fevereiro de 1931, foram dadas a apreciar as peças, "Não é o Mel", "A Ordem é Ressonar" e "Coração de Bombeiro", levadas a palco pelo "Grupo Dramático de Pedras Rubras".

    Já no dia 19 de Março, em benefício dos Bombeiros Voluntários de Freamunde, o "Grupo Unido de Amadores da Arte de Talma, do Porto", com a encenação a cargo de Jacinto Santos, apresentou, na ASMF, as seguintes obras: "Guarda de Honra", "A Cruz de Guerra", "O que são as Mulheres" e "Os Pimentas".

    Tempo ainda para um acto de variedades, pelo distinto tenor Heitor de Vilhena, Augusto Machado, Alzira Santos e Maria Freitas, constando de recitações, canções e versos. Ao piano o conhecido maestro Júlio Pontes.

    No dia 11 de Maio do mesmo ano, foi a vez da Banda de Freamunde ser contemplada com um espectáculo em seu benefício, dado pela "Troupe Dramática Freamundense". Era, como se pode verificar, espantosa e de enaltecer a solidariedade existente no seio das instituições locais. As peças de teatro apresentadas - conforme viu e relatou o correspondente do "Heraldo", nesta terra, Libório Pinto - foram: "Manhã de Névoa", "O Fado" (episódio de um vivo naturalista, de Bento Mântua), "Prólogo" (dito por Joaquim Pinto Pereira Gomes) e "Casa de Babel". Nos desempenhos tomaram parte os "consagrados" amadores: Leopoldo Saraiva, Libório Pinto, Ernesto Gomes Taipa, Salvador "Santa Marta", Rafael Pinto Graça, António Joaquim Ribeiro, e as galantes meninas Maria de Lurdes "Santa Marta" e Felisbina Pinto Gomes. A encenação, mais uma vez, a cargo de Leopoldo Saraiva. A missão de ponto foi confiada a Joaquim Pinto Pereira Gomes.

Apresentou-se também a afamada Banda de Freamunde, com excelentes áreas das óperas, "Cavalleria Rusticana" e "Aida".

«O concerto foi deveras sublime e a Banda pode considerar-se uma das melhores do norte do país».



Banda de Freamunde

    Como dá para perceber, o "empreendimento" levado a cabo pela "Troupe" impôs a mobilização de muitos elementos jovens, talentosos, com comunicabilidade, que - só assim poderia ser! - irmanavam ambição, entusiasmo e espírito de sacrifício. Faltavam, contudo, melhores infra-estruturas, sobretudo ao nível de tablado e camarins. Nada que o talento, disponibilidade e paixão, de Leopoldo Pontes Saraiva não resolvesse. Em pouco tempo, a Associação de Socorros Mútuos  Freamundense (e Freamunde, por que não) passou a dispor de um palco (que ainda perdura!) mais consentâneo com as necessidades onde, a partir de então, muito se poderia erguer.


Plateia da ASMF em dia de teatro


    As iniciativas não se podiam perder, sequer desvirtuar. Estava em risco a diminuição de espectáculos, de espectadores.

    Março, continuava, por excelência, a ser o mês de teatro. Disso nos dá prova "O Heraldo", do dia 27 de Março de 1932 (Freamunde já usufruía de luz eléctrica, desde 13 de Junho de 1931, e de novo edifício escolar, equipado com duas salas - as, mais tarde, denominadas "escolas das meninas" -, inaugurado em 25 de Outubro do mesmo ano), com a seguinte notícia: «O Grupo de Amadores Dramáticos de Freamunde" levou à cena, na ASMF, as seguintes peças: "Quem Matou" (Drama policial em 3 actos) e ainda Monólogos, Duetos e Canções - "Os Apaches", "Fado do Vagabundo", "O Garoto da Rua", "Amor e Música", "Zé Pacóvio" e "Raivas de Amor".

Elenco artístico: Gaspar Pereira, Libório Pinto, Adriano Leitão, Carlos Oliveira, Matos, Rafael Pinto Graça, Ernesto Taipa e as meninas Felisbina Pinto Gomes e Sofia Soares».

    A Constituição de 1933, mantendo, não obstante, o regime de separação em relação à Igreja Católica e qualquer outra religião ou culto praticado dentro do território português, manifestava na sua orientação o retorno à consideração pelos valores espirituais tradicionais. Será que nesta terra, no referido ano de 1933 (Freamunde, por decreto de 13 de Junho, foi elevada à categoria de Vila, dando origem a grandes manifestações de regozijo), tal diploma teve repercussões na actividade teatral, pois não encontramos nos jornais existentes, "O Pacense" e "O Heraldo" quaisquer tipo de registos? Ou porque a Leopoldo Pontes Saraiva, habitual ensaiador, lhe tinha sido confiada a "exigente" missão de... Regedor?Suposições!... Meras suposições!...

    No dia 19 de Março de 1934, integrado nas comemorações do aniversário da ASMF, um Grupo de Amadores da Póvoa do Varzim apresentou um atraente espectáculo em 3 partes:

1ª parte - Opereta em 1 acto, "Ali... à... Prêta". Distribuição: Josefa (Maria Vilaça); Anacleto (Júlio do Carvalhal); Ernesto (Cunha Guimarães) e Victorino (Nascimento Ferraz).

2ª parte - Engraçada comédia, "Pancrácio em Calças Pardas".

3ª parte - Canções e versos por Maria do Carmo Vilaça, Nascimento Ferraz, Cunha Guimarães e Júlio Carvalhal.

Sob direcção de Nascimento Ferraz, o espectáculo foi abrilhantado pela conhecida e afamada Banda de Freamunde.


    Já liberto do cargo de "principal autoridade" local, Leopoldo Saraiva retoma os ensaios da "Troupe", fazendo de novo a sala da ASMF transbordar de público, nos dias 21 e 28 de Abril de 1935, na apresentação das peças, em 3 partes: "Comédia Francesa", de André Mycho, em 1 acto, e "Um Quadro de Miséria", peça em 2 actos -, hilariante comédia de grande gargalhada.

Ao piano, aparece-nos referenciado C. Pereira; como Ponto, V. Ribeiro e no trabalho de Contra Regra, Ribeiro.

    Mas, que raio!, só se serviam comédias fáceis?! Em verdade o melhor que se produzia eram... comédias. Era tudo? Pelos vistos, quase tudo, que, não sendo muito, já era alguma coisa.

Continua:

"TEATRO" EM FREAMUNDE - MAIS DE 100 ANOS DE HISTÓRIAS (8)

 Continuação:



D. Mercedes Barros













    Não se julgue, porém, que o teatro era só para adultos. Não. Havia lugar também para os mais pequeninos. O futuro da arte estava, pois, garantido. Ensaiada pela distinta professora oficial desta freguesia, D. Mercedes Barros, saiu-se a "Troupe Infantil" - um projecto aliciante -, com as peças, "A Feiticeira", "A Lição" e "Criadas d'Hoje".

    Os "seniores" da "Troupe" também se exibiram no dia 19 de Março de 1923, apresentando as hilariantes comédias-charge, "Taborda no Pombal", "Os Espectros", em 2 actos, "As Novas Ricas" e "Os Phantasmas", em 1 acto, além de canções, duetos...

    O ano de 1924 foi recheado de representações, gravitando no elenco grande número de elementos novos.

Para Fernando Pessoa, «a elite da actualidade, no país, a gente ilustrada, era uma súcia de cabotinos... Só obscuros... isto quando, mais do que nunca, a República precisava de homens!...». Porém, em Freamunde continuava a "havê-los". Era já uma terra diferente... Socialmente avançada em relação à vizinhança... Pioneira em tudo o que dissesse respeito a cultura, voluntariado, associativismo, actividades lúdicas...

    Vem a lume uma citação de Almeida Garrett (Prefácio a Um Anjo, de Gil Vicente - 1938): «O teatro é um meio de civilização, mas não prospera onde a não há...»

    É fácil imaginar, mesmo sem grandes condições infra-estruturais, ver aquela juventude trabalhar com o ardor de todo o principiante que se inicia numa arte que lhe dá prazer. Finalmente, tinham um papel para decorar. Nos ensaios, o pisar do improvisado palco, sentir sob os pés a dureza das tábuas. Chegava o ansiado momento da estreia. Por detrás do pano o nervosismo tornava-se evidente. Soavam as pancadinhas. Depois, a representação, enfim, as palmas. Mais importante do que tudo - já assim seria, certamente, nessas épocas -, as amizades cimentadas por muitas horas de convívio e camaradagem.

    Do extenso e diversificado rol de peças apresentadas - quase todas em benefício dos cofres da ASMF -, referenciamos as seguintes: Em Maio de 1924, o drama "Jocelyn, o Pescador de Baleias". Cançonetas, acompanhadas pela Orquestra e Tuna Freamundense, sob regência de Joaquim Augusto Pereira: "As Covinhas do Rosto", por Júlia Pinto d'Almeida; "A Triste Feia", por Olívia Rego; "O Amor é como o Lume", dueto por Brasina Gomes Pereira e Leopoldo Saraiva; "Rosa do Adro", drama em 4 actos, e "Casamento da Grã Duqueza", opereta cómica.

O guarda roupa foi confiado ao afamado "costumier", Valverde, do Porto.

    Meses depois, em 28 de Setembro, no programa podia ler-se: Espectáculo dado por um grupo de estudantes em gozo de férias.

1ª parte - "Tavares Crespo" (ilustre pugilista português) e seu discípulo, Luís Torres Peixoto", do Porto, em vários números desportivos.

2ª parte - "O Debute", por José Maria Pinto d'Almeida (monólogo de picante sabor popular).

3ª parte - "Grande e Horrível Crime" (deliciosa comédia em 1 acto, roçando pela farsa). Intérpretes: Henrique Matos (Anacleto), Cândido Pinto de Barros (Leonardo), José Maria Pinto d'Almeida (Rosalino), Vasco Torres (Francisco) e Jaime Brito (Um Agente de Polícia).

4ª parte - "Alma Cheia", por Júlio Graça.

Ao piano , o distinto organista e professor de música, Mário Augusto.

    No teatro não havia lugar só para os actores mas também para aqueles que não podendo, ou não o querendo ser, colaboravam noutras actividades: montador de cenários, caracterizador, ponto... Neste último caso, o cargo foi entregue a Alberto Brito.

    No dia de Natal, mais teatro. A falta de pessoa habilitada que pudesse dirigir a encenação, empossou o multifacetado "artista", Salvador "Santa Marta". Havia, assim, continuidade rectilínea do Grupo. Estavam, pois, conservadas as tradições já longas do mesmo.



Salvador "Santa Marta"


Os freamundenses  tiveram, então, a oportunidade de apreciar o drama em 3 actos, "O Misterioso", e um quadro, "Vinte Mil Dólares", com acompanhamento da orquestra dirigida por Joaquim Augusto Pereira Gomes. Quem sai aos seus...

    Um novo público se ia formando, num dos períodos de maior intensidade da vida teatral portuguesa.

    As diversas transformações políticas operadas no país, sobretudo com a Revolução de 28 de Maio de 1926 que afastou do poder o Partido Democrático e estabeleceu um regime ditatorial, originaram mais um hiato nas representações teatrais até finais de 1927.

    No 19 de Março de 1928 voltava a arte de "Talma" à Associação. Pela "Troupe" foram representadas o drama, em 3 actos, "Leão dos Mares", e a comédia , "Morrer para ter dinheiro". 

    Com o surgimento dos jornais "O Pacense", da sede do concelho, e "Heraldo", de Lousada (Curiosamente, ou talvez não, o fundador e director deste semanário, bem como o editor e secretário, eram, respectivamente, os freamundenses Dr. João Matos da Silva Neto, Joaquim Pinto Pereira Gomes e Libório Pinto), multiplicam-se as referências sobre a actividade teatral.

    Assim, no decurso das comemorações do 39º aniversário da ASMF (19-03-1930), foi convidado o Grupo Dramático do Porto "Os Simples", sob direcção de Manoel "Santa Marta" (irmão de Salvador), que levou a efeito, gratuitamente, um espectáculo composto por um drama, "Opressão e Liberdade" (bastante sugestivo o tema, para a época, sem dúvida!), e uma comédia, "Não é o Mel".

    Também, em 2 actos, "Rosas de Nossa Senhora", e as engraçadas comédias, "Dois Actores sem Escritura" e "O Homem da Sorte".

    Num dos intervalos, fez também a sua "apresentação" o 1º Bombeiro Voluntário de Freamunde.


1ª Pronto Socorro da AHBVF e respectivo Quartel



    A Orquestra do Clube Recreativo - "atacava" quase sempre nos períodos de pausa para ir animando o pessoal que enchia a plateia -, sob direcção do já mencionado Joaquim Augusto Pereira Gomes, aproveitou a ocasião e estreou-se, tendo, segundo o correspondente do jornal, agradado imenso. Foram constantes as ovações.

    Outras representações, de novo com Leopoldo Saraiva ao leme da "Troupe", repetiram-se sete vezes, durante o ano, sempre de forma desinteressada e em prol da terra.

Continua:

 

"TEATRO" EM FREAMUNDE - MAIS DE 100 ANOS DE HISTÓRIAS (6)

 Continuação:



"Zezinho da Casimira"

 

 










    Com o decreto que designava o Domingo para o dia de descanso, é lícito concluir que o interesse do público pelo teatro terá aumentado.

    A época de 1908, para muitos, foi de tristeza e inquietação com o Regicídio. D. Carlos tinha sido vítima das atrocidades políticas, há muito condenadas por pessoas ilustres, elementos de incontestável classe.

    O movimento teatral continuava quase parado. Só por alturas do Natal e Páscoa se realizavam os autos, de sabor estritamente popular: Paixão de Cristo, vidas de Santos, passagens edificantes da doutrina cristã...

    Conforme referem os jornais "Progresso de Paços de Ferreira" e o "Jornal de Lousada", «nos dias 12 de Junho e 10 de Julho de 1910 - dia da grande festa ao Mártir S. Sebastião - (ainda no período monárquico do Rei D. Manuel II), foi levado à cena, na ASMF, primeiro, e depois num barracão construído na Rua do Commercio, o drama sacro "O Nascimento do Messias", ou "A Dança do Menino", como impropriamente lhe chamam, sob orientação de José Pinto Pereira Gomes "Zezinho da Casimira.

As casas tornaram-se pequenas para as enchentes registadas».

    Por cá, entretendo o público, havia aparecido o cinematógrafo, vindo de S. Miguel das Aves, sob a direcção do célebre "Rijão", onde, na ASMF, «eram projectadas lindas e variadas fitas».

    Logo que a República foi proclamada (5 de Outubro de 1910), foi nomeada uma comissão para estudar as causas da decadência do teatro português e respectivas reformas.


Implantação da República



    O "povo" não ia ao teatro porque dele estava completamente divorciado devido a uma ignorância atroz. Era, no entanto, necessário que alguma coisa mudasse.

    A partir de então, e com o decorrer do tempo, a arte de representar passou a ser heterogénea, reunindo grandes e pequenos, instruídos e analfabetos, estudantes, comerciantes, industriais, operários, gente do campo...

    Já com a Constituição da República aprovada, Henrique de Vasconcelos (1º Presidente da Junta da Paróquia após a queda da Monarquia) retoma os ensaios da "Troupe Dramática" e leva à cena as comédias: "Se Eu Fosse Rapaz", "Aninhas e Zé da Horta" e "Um Beijo Roubado".




 





    Laura Silva, Brasina Gomes e António Joaquim Ribeiro eram as "vedetas" de então. A exigente missão de caracterizador foi entregue a Fernando de Sousa Ribeiro, estando a orquestra (instrumentos de cordas) confiada, como sempre, ao distinto maestro Augusto Pereira Gomes.

    Durante dois anos, não se abriram as portas ao público. Grassou o flagelo da febre tifoide, sendo, para além de outras medidas tomadas,  (como, por exemplo, fechadas as duas fontes existentes), encerrados os lugares de reunião e convívio.

    Outra das causas, que tornou impróprio o ambiente nesta freguesia, foi a promulgação da Lei da Separação da Igreja do Estado. Tal facto fez erguerem-se imediatamente os protestos do clero (Em Freamunde o padre João da Cunha Lima revelava-se principal contestatário), ocorrendo conspirações e rebeliões do episcopado português por todo o país.

    Mesmo assim, numa das páginas do "Jornal de Lousada", pelo correspondente em Freamunde, Ilydio Torres, descortinamos uma referência interessante relativa a teatro, sobre uma Companhia contratada para colmatar o "descanso" a que a "Troupe Dramática de Freamunde" fora forçada: «A Companhia Correia Peixoto, apenas composta de dois elementos, além de ter debutado nos principais Theatros dos grandes centros, vem dar um espectáculo, no salão da ASMF, no dia 25 de Dezembro de 1913, dia de Natal, lavando à scena o deslumbrante drama "O Divórcio"»

    O certo é que a actividade teatral ressurgiu em força no ano de 1914. Fruto da resignação do clero, e também da própria consolidação da República, viveu-se a partir daqui uma certa acalmia nas relações entre o Estado e a Igreja. O teatro era um espectáculo necessário para o público... E já para algum "povo". Era uma festa, um divertimento de princípio ao fim, fiasco que fosse.


Albertina Peixoto


    Disso fez eco o jornal "Progresso de Paços de Ferreira", numa das suas edições: «No dia 17 de Maio de 1914, no elegante salão da benemérita ASMF, a "Troupe de Amadores Dramáticos de Freamunde", agora, e de novo, sob a direcção artística de José Pinto Pereira Gomes "Zezinho da Casimira", ofereceu à população um interessante serão. Três chistosas comédias em 1 acto; "Um Noivo de Encomenda", "Uma Orquestra Em Família" e o hilariante monólogo, "Paio Pires da Costa".

    A neófita actriz, Albertina Peixoto (Foi-nos dito, recentemente, tratar-se da mãe de Agostinho "Salvé-Rainha"), fina, atraente, muito elegante, esteve irrepreensível, interpretando admiravelmente o seu papel.

    A reacção foi enérgica e os aplausos entusiásticos a todos os actores fizeram-se ouvir.

    Ao hábil ensaiador da Arte de Talma, "Zezinho da Casimira", as mais calorosas felicitações.

    A sala estava a abarrotar, vendo-se tudo quanto há de "chic", não só desta terra como de freguesias circunvizinhas (Estamos a imaginar as ilustres "madames", penteadas e vestidas como para uma festa, limpando, à entrada da Associação, os pés já sujos do pó e da lama dos caminhos).

    Noutro âmbito, o concerto dado, no palco, por um grupo de músicos da apreciada Banda Freamundense, com regência de António Ferreira Nunes, que executaram temas da revista "Capote e Lenço", esteve esplêndido, pedindo-se bis.

    Para o feliz êxito muito contribuíram os senhores Dr. Alberto Cruz, Adolfo Leão, Henrique de Vasconcelos e Arnaldo Cruz».

Continua:  

"TEATRO" EM FREAMUNDE - MAIS DE 100 ANOS DE HISTÓRIAS (4)

 Continuação:


"Elite" freamundense


















    Na viragem p'ró século XX, depois de ultrapassados os problemas causados com o surto epidémico da influenza, peste babónica e varíola, com consequências fatais e que obrigaram ao encerramento de escolas e locais de convívio, o teatro popular conheceu um certo incremento, não só em Freamunde como noutras freguesias do concelho.

    A expressão "teatro popular" talvez não fosse a mais adequada. O teatro não era consumido por todas as massas. Existia expressamente para regalo de certas "elites".

    Por alturas do Natal de 1901, ainda no tablado do "barracão", o tabelião Alexandrino Chaves Velho diversificou o espectáculo ao levar à cena, em 1 acto, as comédias, "Atribulações de um Estudante" e "Um Cálculo Errado", o drama, "Amor de Pae", e a cena cómica, "Zé Galo".





    As sessões apresentadas, pelo menos uma vez por ano, eram cada vez mais concorridas. 

    A partir de 1902, as peças históricas amenizam-se, o drama cede lugar quase em exclusivo às comédias, espécie de folhetins populistas escritos discretamente por autores menores - as excepções  mais mediáticas chamavam-se , "Rosa Enjeitada", várias vezes em cena nos Teatros da capital, e que mantinha o êxito, em grande parte devido ao desempenho de uma grande actriz, Adelina Abranches (1866/1945), e "Amor de Perdição", obra publicada em 1862 por Camilo Castelo Branco, diversas vezes adaptada ao teatro, nomeadamente por D. João da Câmara, nos primórdios do século XX.





    Do JPF extraímos alguns títulos de comédias representadas pela "Troupe" de Freamunde: "Valentes e Medrosos", "Dous Tolos Felizes", "Um Sacristão Político", "A Porta Falsa", "Dous Operários em Greve" e "Atroz Genro".

    Entretanto, as condições de ensaio e representação melhoravam.

    Ainda do referido semanário, já no ano de 1903, anotamos o transcrito: «A Troupe Artística Dramática Freamundense" que, com constantes e assaz merecidos aplausos, tem dado durante a presente temporada alguns excelentes e concorridíssimos espectáculos no vasto e já concluído salão da Associação de Socorros Mútuos Freamundense, realiza no dia 8 de Fevereiro de 1903 uma atraente e variada sessão cujo produto é oferecido pela generosa "Troupe" à Direcção da dita Associação, no intuito de custear as despesas já feitas e a fazer com a iluminação a gasómetros do referido salão. Esplêndida ocasião de beneficiar aquela benemérita Associação e desfrutar uma boa noite. Os bilhetes (curiosamente, a "casa" era quase sempre "passada" e, para atractivo, nos intervalos distribuiam-se valiosos brindes aos espectadores), de preços 200, 120 e 80 réis, acham-se à venda nos estabelecimentos dos senhores António José de Brito, Domingos d'Almeida da Silva Caldas e José Pinto Pereira Gomes "Zezinho da Casimira".

O espectáculo principia à 8 horas da noite.

Comédias: "A Porta Falsa", "À Procura do Genro" e "Dous Dedos de Conversa".

Chistoso entreacto cómico: Dous Operários em Greve"».

    Os ecos do espectáculo foram por demais elucidativos: «Foi brilhante, com casa à cunha. Os desempenhos estiveram à altura, perante plateia selectíssima, e a Orquestra, composta de violão, bandolins, rabecas, clarinetes e flautas, comportou-se admiravelmente».

    A dita Orquestra era dirigida pelo distinto maestro Augusto Pereira Gomes, que na qualidade de director musical do grupo - e também da recém criada Tuna Freamundense - deve-se-lhe a selecção de alguns temas musicais intervalados no espectáculo.

    No dia 19 de Março, data de aniversário da ASMF (o edifício, segundo o cronista, encontrava-se enfeitado no seu interior, graças ao trabalho incansável do "decorador" Henrique de Vasconcelos, e iluminado e embandeirado exteriormente), mais teatro:




Augusto Pereira Gomes



    As comédias, "A Porta Falsa" - representada com enorme, por uma companhia da capital, no "Gymnasio de Lisboa", sala reservada à farsa e baixa comédia -, sendo os principais papéis entregues a Brasina Pereira Gomes, Delfina Gomes, António Joaquim Ribeiro (deu-nos na figura, no dizer e nas maneiras, um municipal completo, mavorte do sopeirame, correcto e autêntico), Domingos d'Almeida Caldas, Joaquim Gonçalves Ramos (hábil pintor desta terra), Constantino e Maximino Carneiro Pinto; "Dous Operários em Greve", por Guilherme Pinto Ribeiro Gomes (extraordinária veia cómica deste belo intérprete) e Joaquim Gonçalves Ramos (realce total para o seu brilhante "travesti"); "Atrás do Genro" e "Valentes e Medrosos", pelos distintos actores Domingos d'Almeida Caldas (mostrou-nos um sogro pior que dez sogras!) e A. R. Matos (patenteou-nos um "Lucas" covilhanense, inexcedível de graça e naturalidade). O autor e actor Alexandrino Chaves achou-se lindamente no monólogo "Um Bocado de Palestra", uma obra perfeita, dito com mestria, escrito com a mais extraordinária habilidade. Alexandrino Chaves percorre na sua representação o "carrocel" do nosso meio social e, agarrando cada um pelo seu fraco, estereotipa-o com tanta graça e habilidade que consegue provocar a gargalhada geral sem melindrar as pessoas.

Alexandrino Chaves, apreciado nas raras qualidades de amador distinto, recebeu nessa noite a sua consagração de "artista". A plateia riu a bandeiras despregadas. Cá fora, nos intervalos do espectáculo, ia tocando a banda do senhor Nunes»



senhor Nunes

    Conclui-se, pois, que os textos, frágeis enredos, habilmente dialogados, eram eficientemente distribuídos pelos personagens.

Continua: