Continuação:
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Associação Socorros Mútuos Freamundense |
Na ASMF, as comemorações do 19 de Março eram sempre vividas de forma efusiva. Dia solene para os freamundenses «sempre ciosos em conservarem os pregões que fortalecem a sua enraizada cor bairrista», assim sublinhou Gil Aires, numa das suas habituais prelecções.
Sem o Grupo Dramático Freamundense (aproveitaram os empresários do cinema para a passagem de variadíssimas fitas, através do aluguer do salão da Associação), intercalados com os distintíssimos oradores convidados para a sessão solene, faziam-se ouvir em récitas muitas crianças do ensino primário habilmente ensaiadas pelo professorado local, para encanto dos assistentes, hábitos que provinham desde o longínquo ano de 1908, fruto do contributo dos educadores oficiais, D. Mercedes Barros e Alexandre Osório. E assim continuou durante umas décadas.
Sentia-se, no entanto, um certo vazio. Faltava a "Arte de Talma". Durante uns meses, aí por volta de 1948, ainda se viu qualquer coisa, por iniciativa de Alberto Oliveira, artista de teatro, aqui esporadicamente radicado, que, como referiu posteriormente Fernando Santos, pertencia a uma família de actores itinerantes de que, nos anos 20 e 30, uma ou outra havia em Portugal, como os Rentini. Também os Venâncios, os Oliveiras... (das quais Camilo de Oliveira - Camilo Venâncio de Oliveira, de nome completo - era descendente), e de onde, por vezes saíam nomes que, mais tarde seriam grandes e respeitados no cinema e teatro português, como, Henriqueta Maia, Palmira Bastos, Eunice Munhoz, Leónia Mendes, o próprio Camilo de Oliveira...
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Alberto Oliveira |
Alberto Oliveira já era a segunda vez que se fixara em Freamunde, onde até lhe tinha nascido uma filha que, como os pais, também ao teatro se dedicara. Bom homem, simpático, respeitador...
Alberto Oliveira tinha ficado em Freamunde, por afastamento voluntário da companhia dos Venâncios, em que se integrava com a mulher e a filha, quando esse grupo por cá tinha passado e feito algumas representações. Instalou-se numa casa que estava devoluta, onde chegou a morar o saudoso Júlio Graça, hoje residência dos herdeiros de "Nequinha" Oliveira.
Precisando de viver, alugou a "velha" Associação e decidiu representar, entre outras peças, o "Amor de Perdição". Porque o elenco era numeroso, serviu-se de alguns freamundenses em que fervilhava o viciozinho do palco, que, felizmente, por cá sempre houve - Alberto Graça, que defendeu o papel de "Primo Baltazar", Ernesto Leal, "O Meirinho"...
O industrial António Pereira da Costa, figura preeminente, de forte carácter e decisão, insistia que o teatro continuava a ter muito para dar aos seus conterrâneos, para lhes enriquecer a vida.
A cultura sempre é a alma de um povo. E o teatro é uma das manifestações mais puras da arte e da expressão humana. As próprias representações originavam receitas que muito jeito faziam aos cofres da benemérita Associação. Juntava-se assim o útil ao agradável.
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António Pereira da Costa |
Vai daí - conforme descreveu, a certa altura, Fernando Santos -, «...certo dia (em princípios de 1949), um senhor de fartos bigodes apareceu no Porto a contratar um grupo de amadores que eu dirigia para um espectáculo em Freamunde, a favor da ASMF. Representámos a peça "Duas Causas", de Mário Duarte... A récita agradou e novo contrato surgiu. E outro... E outros...
O certo é que cá fiquei (conheci uma jovem chamada Brazinda e três meses mais tarde - 12 de Junho de 1949 - António Pereira da Costa era meu sogro) e, comigo, o viciozinho pelas tábuas do palco, semente teimosa e atrevida que, afinal, vinha encontrar fértil terreno para a sua reprodução, bem lavrado e adubado por esse inesquecível cultivador da cena freamundense que se chamou Leopoldo Pontes Saraiva. E foi logo uma incansável e alegre batuta na produção de espectáculos de beneficência: "Tem Calma Pacheco", comédia da minha autoria (Durante muito tempo houve quem continuasse a chamar-me senhor Pacheco): "O Crime de Uma Mulher Honesta" (autor italiano), "Bocácio na Rua", "Irene", "A Raínha Cláudia", "A Flor da Aldeia", "Traviata", "Intrigas no Bairro", "Cama, Mesa e Roupa Lavada" (Coroa de glória do grande actor Chaby Pinheiro, no impagável "papel" de "AArão Saavedra"), numa récita de homenagem ao falecido dr. Alberto Cruz, sob a batuta de Fernando Santos e com a interpretação de entre outros, Fernando Santos, Joselino Pereira, José Maria Moura, Carlos Correia da Fonseca "Moca", Maria Amélia Pereira, Maria José "Cravadeira"...).
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"BOCÁCIO NA RUA" Alberto Graça, Fernando Santos e Alberto Matos "Sem tardar/Firu-Li-Ru-Li/Firu-Li-Lu-Lero" |
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" A FLOR DA ALDEIA" Esmeraldina Rego, Albertina Antunes, Fernanda Felgueiras e Joaquina Afonso |
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"RAÍNHA CLÁUDIA" Alberto Graça e Fernanda Felgueiras |
"RAÍNHA CLÁUDIA" Américo Santos, Nelson Lopes, Carlos Felgueiras, Fernando Santos, Alberto Graça, Armando Nunes "Alhinho" e António Castro Nogueira |
Revista, apresentada no dia de Natal de 1951, que se destacou tal a popularidade que abrangeu. Era bonita, estouvada, alegre.
A Revista era ainda um meio de sacudir os espíritos calados e iluminá-los de riso.
Todas estas peças, atrás referidas, acabaram por transformar gente anónima em primeiras figuras. "Artistas" do agora denominado "Grupo Cénico da Associação de Socorros Mútuos Freamundense".
O êxito, mais que a capacidade criativa do autor, ficou a dever-se à fantasia dos actores.
Fernando Santos, José Gomes Rego, Alberto Matos, José Maria Moura, Alberto Graça, Fernanda Felgueiras, Nelson Lopes..., já eram possuidores, mesmo sem grande experiência e técnica indispensável, da capacidade de exteriorização a que vulgarmente se chama talento.
Actores, como outros tantos, que se revelaram indispensáveis e tiveram a hipótese de trabalhar papéis variados e subtis.
Depois, havia também Adriano Guimarães, antigo e considerado actor, natural da cidade do Porto, onde nasceu na Rua Alexandre Braga, filho de Domingos da Silva e Ana Rita de Sousa. O teatro o trouxe com Fernando Santos para Freamunde, «acompanhado, como sempre, da sua velha "caixa de caracterização - constante objecto dos seus cuidados -, escrínio de antigos, ensebados e utilizados "postiços"».
Freamunde, que passou a considerar como sua Terra e onde viria, em 19 de Fevereiro de 1971, com 82 anos, a ser sepultado.
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Adriano Guimarães |
Porém, Fernando Santos cansou! Ele próprio não soube bem porquê mas cansou (seria bem assim?!)... e o teatro parou por 10 anos!... de 1954 a 1963.
Em 1961 ainda vingou o teatro infantil, dirigido pelas professoras Cremilde Queirós Monteiro e Maria José Machado Pereira - sem esquecermos, noutras fases, Ludgera Oliveira, Rita Barros da Silva, Cesaltina Gonçalves, Alda Nunes..., com o apoio de Fernando Santos.
Teatro para crianças - a quem os próprios adultos dispensaram especial atenção e entusiasmo -, feito por crianças, com miúdos das escolas de Freamunde.
Como dizia Fernando Santos, «...estas peças fantasiadas - "Maria Migalha", por exemplo -, por vezes ingénuas e incipientes, são um importante meio educacional e uma boa oportunidade para descobrir futuros valores».
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"MARIA MIGALHA" |
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"MARIA MIGALHA" |
"MARIA MIGALHA" |
Contudo, algo mais que estes preparativos agitava o agregado populacional. Algo mais estava para suceder.
O nosso povo, que tinha mais letras do que se julgava, lembrava-se das Revistas e sentia saudades delas.
Os constantes apelos do enorme bairrista, Maximino Ferreira Rego, acicatado por Nelson Lopes, junto de Fernando Santos, nas noites do "Recreativo", porque não percebia o que o tinha levado a interromper as actividades teatrais, foram tão convincentes que conseguiram despertar o seu orgulho, "nascendo" a opereta "Gandarela", baseada em acontecimentos históricos e reais, aos quais o encenador entendeu dar um cunho pessoal e "criativo", de factos ou situações da actualidade com comentários cáusticos e picantes à base de trocadilhos de palavras com sentido duplo.
Em 22 de Dezembro de 1963, o "Grupo Teatral Freamundense" dava a sua primeira representação.
Assim recriou-se uma actividade de envolvimento e movimentação de "massas", de uma colectividade, de um movimento cultural que tem dignificado o teatro amador e contribuído, de uma forma inestimável, para o prestígio da nossa Terra.
Houve colaboração e dedicação de dezenas de pessoas afastadas do meio artístico. De forma apaixonada, porque o teatro não era modo de vida.
Recomeçou uma actividade teatral que se iria tornar verdadeiramente gloriosa, pontuada por inúmeros prémios e galardões e que projectaria o nome de Freamunde por todo o país e além fronteiras.
Continua: