terça-feira, 10 de dezembro de 2024

"TEATRO" EM FREAMUNDE - MAIS DE 100 ANOS DE HISTÓRIAS (4)

 Continuação:


"Elite" freamundense


















    Na viragem p'ró século XX, depois de ultrapassados os problemas causados com o surto epidémico da influenza, peste babónica e varíola, com consequências fatais e que obrigaram ao encerramento de escolas e locais de convívio, o teatro popular conheceu um certo incremento, não só em Freamunde como noutras freguesias do concelho.

    A expressão "teatro popular" talvez não fosse a mais adequada. O teatro não era consumido por todas as massas. Existia expressamente para regalo de certas "elites".

    Por alturas do Natal de 1901, ainda no tablado do "barracão", o tabelião Alexandrino Chaves Velho diversificou o espectáculo ao levar à cena, em 1 acto, as comédias, "Atribulações de um Estudante" e "Um Cálculo Errado", o drama, "Amor de Pae", e a cena cómica, "Zé Galo".





    As sessões apresentadas, pelo menos uma vez por ano, eram cada vez mais concorridas. 

    A partir de 1902, as peças históricas amenizam-se, o drama cede lugar quase em exclusivo às comédias, espécie de folhetins populistas escritos discretamente por autores menores - as excepções  mais mediáticas chamavam-se , "Rosa Enjeitada", várias vezes em cena nos Teatros da capital, e que mantinha o êxito, em grande parte devido ao desempenho de uma grande actriz, Adelina Abranches (1866/1945), e "Amor de Perdição", obra publicada em 1862 por Camilo Castelo Branco, diversas vezes adaptada ao teatro, nomeadamente por D. João da Câmara, nos primórdios do século XX.





    Do JPF extraímos alguns títulos de comédias representadas pela "Troupe" de Freamunde: "Valentes e Medrosos", "Dous Tolos Felizes", "Um Sacristão Político", "A Porta Falsa", "Dous Operários em Greve" e "Atroz Genro".

    Entretanto, as condições de ensaio e representação melhoravam.

    Ainda do referido semanário, já no ano de 1903, anotamos o transcrito: «A Troupe Artística Dramática Freamundense" que, com constantes e assaz merecidos aplausos, tem dado durante a presente temporada alguns excelentes e concorridíssimos espectáculos no vasto e já concluído salão da Associação de Socorros Mútuos Freamundense, realiza no dia 8 de Fevereiro de 1903 uma atraente e variada sessão cujo produto é oferecido pela generosa "Troupe" à Direcção da dita Associação, no intuito de custear as despesas já feitas e a fazer com a iluminação a gasómetros do referido salão. Esplêndida ocasião de beneficiar aquela benemérita Associação e desfrutar uma boa noite. Os bilhetes (curiosamente, a "casa" era quase sempre "passada" e, para atractivo, nos intervalos distribuiam-se valiosos brindes aos espectadores), de preços 200, 120 e 80 réis, acham-se à venda nos estabelecimentos dos senhores António José de Brito, Domingos d'Almeida da Silva Caldas e José Pinto Pereira Gomes "Zezinho da Casimira".

O espectáculo principia à 8 horas da noite.

Comédias: "A Porta Falsa", "À Procura do Genro" e "Dous Dedos de Conversa".

Chistoso entreacto cómico: Dous Operários em Greve"».

    Os ecos do espectáculo foram por demais elucidativos: «Foi brilhante, com casa à cunha. Os desempenhos estiveram à altura, perante plateia selectíssima, e a Orquestra, composta de violão, bandolins, rabecas, clarinetes e flautas, comportou-se admiravelmente».

    A dita Orquestra era dirigida pelo distinto maestro Augusto Pereira Gomes, que na qualidade de director musical do grupo - e também da recém criada Tuna Freamundense - deve-se-lhe a selecção de alguns temas musicais intervalados no espectáculo.

    No dia 19 de Março, data de aniversário da ASMF (o edifício, segundo o cronista, encontrava-se enfeitado no seu interior, graças ao trabalho incansável do "decorador" Henrique de Vasconcelos, e iluminado e embandeirado exteriormente), mais teatro:




Augusto Pereira Gomes



    As comédias, "A Porta Falsa" - representada com enorme, por uma companhia da capital, no "Gymnasio de Lisboa", sala reservada à farsa e baixa comédia -, sendo os principais papéis entregues a Brasina Pereira Gomes, Delfina Gomes, António Joaquim Ribeiro (deu-nos na figura, no dizer e nas maneiras, um municipal completo, mavorte do sopeirame, correcto e autêntico), Domingos d'Almeida Caldas, Joaquim Gonçalves Ramos (hábil pintor desta terra), Constantino e Maximino Carneiro Pinto; "Dous Operários em Greve", por Guilherme Pinto Ribeiro Gomes (extraordinária veia cómica deste belo intérprete) e Joaquim Gonçalves Ramos (realce total para o seu brilhante "travesti"); "Atrás do Genro" e "Valentes e Medrosos", pelos distintos actores Domingos d'Almeida Caldas (mostrou-nos um sogro pior que dez sogras!) e A. R. Matos (patenteou-nos um "Lucas" covilhanense, inexcedível de graça e naturalidade). O autor e actor Alexandrino Chaves achou-se lindamente no monólogo "Um Bocado de Palestra", uma obra perfeita, dito com mestria, escrito com a mais extraordinária habilidade. Alexandrino Chaves percorre na sua representação o "carrocel" do nosso meio social e, agarrando cada um pelo seu fraco, estereotipa-o com tanta graça e habilidade que consegue provocar a gargalhada geral sem melindrar as pessoas.

Alexandrino Chaves, apreciado nas raras qualidades de amador distinto, recebeu nessa noite a sua consagração de "artista". A plateia riu a bandeiras despregadas. Cá fora, nos intervalos do espectáculo, ia tocando a banda do senhor Nunes»



senhor Nunes

    Conclui-se, pois, que os textos, frágeis enredos, habilmente dialogados, eram eficientemente distribuídos pelos personagens.

Continua:

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