terça-feira, 10 de dezembro de 2024

"TEATRO" EM FREAMUNDE - MAIS DE 100 ANOS DE HISTÓRIAS (10)

 Continuação:















    O futuro da arte não estava, seguramente, naquele género - não passava de brincadeiras que muitos escreviam e assistiam de enfado. Só que, por esses tempos fora, entrou em vigor a odiosa «Lei das rolhas» que não era de molde a favorecer a livre escolha de obras de conceituados dramaturgos, a livre crítica das instituições, e que punha muitas vezes o lápis azul da censura. Aliás, a censura foi sempre boa aliada do teatro ligeiro; quanto mais ligeiro melhor, porque não estimulava de modo nenhum o pensamento.

    Como dizia Joaquim Benite, «...durante anos os nossos teatros respiraram tranquilamente a rotina dos aplausos no final dos espectáculos, a rotina da falta de ideias...As peças eram o que eram , mas o público aplaudia e ninguém protestava. Todos, pelo contrário, se sentiam muito satisfeitos».

    O teatro era, e é, uma escola de lágrimas e risos. Na falta de lágrimas, continuassem os risos. As comédias. Importante era que o teatro, com comédias ou sem comédias, não parasse, pelo contrário, sofresse novos impulsos.





    A gente desta terra continuava dinâmica, atenta, apaixonada e solidária.

    Parafraseando Federico Garcia Lorca (poeta e dramaturgo espanhol, e uma das primeiras vítimas da Guerra Civil Espanhola), numa crónica sobre a arte de representar (1935), «um povo que não ajuda e fomenta o seu teatro, senão está morto, está moribundo»

    Nem mortos nem moribundos. Sem Leopoldo Pontes Saraiva, ausente temporariamente, "deitou a mão", como ensaiador, o já apreciado amador Salvador "Santa Marta".

    Em 1936, foram várias as representações da "Troupe". Na primeira, que agradou muito - assim citou o correspondente do jornal "O Heraldo" -, foram levadas à cena as peças: Drama marítimo em 3 actos intitulado "Nossa Senhora da Bonança" e a comédia em 1 acto, "O Amor Constipado".

    Em pleno 1937, dias 4 e 5 de Maio, apresentou-se no salão da A.S.M.F. uma Companhia de farsa, revista, variedades e music-hall, com exibições pontuais no Teatro Odeon, no Porto, da qual faziam parte os distintos artistas Dinah Stichini, Mário Santos, Judith Dorizini, Fernando Isidro, Gina Perez e Manuel Ginamax.

    Também, em Outubro, o "vizinho" Grupo Dramático da freguesia de Carvalhosa" levou à cena o drama "Vida de Santa Maria", sob direcção artística de Alberto Martins Carneiro "Albertinho Carreiras". O espectáculo repetiu-se dias depois com a receita a reverter para os Bombeiros Voluntários de Freamunde.

    Já nos dias 6 e 7 de Novembro, grande expectativa se gerou. O caso não era para menos. Um grupo constituído por distintos artistas do Porto e de Lisboa, onde se incluíam as "vedetas" Maria Olguim, Ema Orlandino, Maria Lobato e Arlindo Pontes, trouxe à ASMF, para delícia da repleta plateia, onde havia - no dizer do escrevinhador - um cunho de requintada elegância e chiqueza, as Revistas, "Uma Tarde na Romaria" e "Tempos Modernos", bem como a comédia, "A Carta da Felicidade".


Maria Olguim

    O ano de 1938 foi recheado de acontecimentos, em Freamunde. O refulgente Freamunde Sport Clube, carente de dinheiro (Quem não estava?!), pediu ajuda à "Troupe" e esta, como sempre, colaborou, revertendo a receita em favor dos depauperados cofres dos "azuis e brancos" do "Carvalhal". Salvador "Santa Marta" ensaiou as comédias: "Páscoa Florida", "Castanha e Companhia"; "Os Dois Pretos" e ainda um número musicado, "Rosas de Portugal", representadas no mês de Abril.

    No dia 2 de Outubro, o povo, em massa, saiu à rua para uma festa de arromba. Agendada estava a inauguração de três importantes melhoramentos: Um Templo (Capela de Santo António, mudada que foi de sítio); uma escola masculina (As "Amarelas", da Rua do Comércio) e a instalação da Cabina Telefónica.

    O rebentar da 2ª Grande Guerra Mundial, criou situações de alguma perturbação no país - Portugal manifestou a intenção de manter a sua neutralidade no conflito -, sobretudo de ordem económica (a falta de alimentos levou ao seu racionamento) e a política, com as greves que se geraram.


2ª G.G. (Foto icónica após capitulação das tropas nazis)



    O impacto da Guerra tinha aparentemente colocado limites a várias formas de desenvolvimento. Só no dia de aniversário da ASMF (19-3-1939), um Grupo de Amadores da Vila de Santo Tirso apresentou as peças, "Dois Aldrabões", "O Exame do meu Menino", "Recreativos monólogos e cenas cómicas".

    Por cá, a actividade teatral sofreu mais um hiato, ressurgindo em 1941, com Leopoldo Saraiva, de novo, a liderar a "Troupe". O citado encenador, ciente da situação, procurava através de textos populares, realizar um teatro, mesmo não sendo verdadeiramente livre, actuante, interveniente.

    O Secretário de Propaganda Nacional do "Estado Novo" tinha criado, com as intenções que se conhecem, um Grupo Cénico de Teatro do Povo, para representações em vários cantos do País. Freamunde foi uma das localidades visitadas (16 e 17 de Setembro de 1941). A Companhia, da qual faziam parte os artistas Alfredo Ruas, Fernando Sousa, Álvaro Almeida, Carlos Baptista, José Gamboa, Amélia Pereira e Margarida Almeida, representou no salão da ASMF, perante "distinta" plateia, as peças: "Auto da Tentação", "Herança do Evaristo" (farsa), "Ambição", "O Urso" e "História de uma viúva inconsolável".

    Dificuldades de vária ordem, nomeadamente os reflexos da Grande Guerra, a origem ditatorial que continuava a impor a censura prévia aos espectáculos a pretexto de defender a opinião pública contra os factores que a desorientassem contra a verdade, a justiça, o bem comum e os princípios fundamentais da organização da sociedade, a crescente concorrência do cinema, da rádio (mais tarde seria a televisão) e das competições desportivas muitas vezes alienantes, a falta de uma estrutura teatral sólida, fizeram com que o Grupo tivesse actuações intermitentes - ainda há membros dessas gerações, e descendentes das mesmas, de memórias longas, recordações nostálgicas e emotivas, que sabem de cor o "João Corta-Mar", a "Henriqueta", As "Intrigas no Bairro" (de Luís Araújo, para quem, segundo as suas próprias palavras, «...pelo teatro se pode dar ao povo, em beleza, o que muitas vezes se lhe nega em justiça»), a revista de sabor estritamente local, "Verdades", êxito assinalável repetido por doze ocasiões, que reuniu verdadeiros "artistas" amadores (José Rego, Alberto Matos, Gil Aires, José Maria Moura, Maria José "Cravadeira", Maria Teles, Maria Ângela Santos, Maria Augusta Ribeiro, Laura "Bisca"..., entre outros - e parasse, mesmo, durante uns tempos.








 

    Revistas (sugestivos títulos) estreadas em períodos críticos, repletas de piadas aos "apertos" então vividos. Que falta nos faz estas revistas "maliciosas", questionando as "políticas" e acicatando os autarcas! A importância da revista de opereta era a possibilidade "democrática" de sátira a todo o tipo de ideia. Ninguém estava a salvo. Com as devidas... "cautelas".

    Curiosamente, a história está sempre a repetir-se e, como tal, os textos das peças, hoje, estariam actualíssimos. 

Continua:

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